sábado, 27 de fevereiro de 2016

Como ensinar pontuação

Parênteses, vírgulas, reticências... O uso dos sinais gráficos não é aleatório, mas deve atender ao sentido que se quer dar ao texto



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Fotos: João Marcos Rosa/Agência Nitro
REVISÃO COLETIVA Na EM Bernardo Ferreira Guimarães, a turma analisa a pontuação na produção dos colegas. Fotos: João Marcos Rosa/Agência Nitro
Considerar que a vírgula tem a função de indicar uma pausa breve, o ponto de dar descanso à leitura e a interrogação de marcar a entonação é se basear na ideia de que eles servem apenas para marcar uma leitura em voz alta - o que, considerando o uso atual da língua, é no mínimo insuficiente. A pontuação é um dos recursos que o escritor utiliza para dividir o texto em unidades de sentido, dando hierarquia às informações e ajudando o leitor a compreender o que ele quer dizer. Pontuar, portanto, não é uma atividade secundária na escrita, mas faz parte dos recursos na produção do texto, assim como as diferentes tipologias, os espaços em branco, o negrito, as notas de rodapé e quadros, que têm essa mesma função.

Um trecho do livro Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector (1920-1977), exemplifica como isso ocorre. Veja só: "Houve um momento grande, parado, sem nada dentro. Dilatou os olhos, esperou. Nada veio. Branco. Mas de repente num estremecimento deram corda no dia e tudo começou a funcionar, a máquina trotando, o cigarro do pai fumegando, o silêncio, as folhinhas, os frangos pelados, a claridade, as coisas revivendo cheias de pressa como uma chaleira a ferver". Claramente, os sinais afetaram o sentido e os efeitos do texto, já que as frases curtas colaboraram para visualizar a lentidão da imagem e as vírgulas da última frase mostram uma sucessão de fatos.

Ao trabalhar o conteúdo em sala de aula, você deve deixar de lado a velha fórmula de apresentar regras que predeterminam as funções dos sinais e esperar que os alunos as decorem. Como as crianças entram em contato com a pontuação já em suas primeiras situações de leitura e escrita, o mais adequado é aproveitar a familiaridade delas com os textos para analisar os diferentes usos dos recursos de pontuação nos mais variados gêneros. O essencial, portanto, é notar o contexto em que estão, a intenção que devem produzir e a maneira como o autor quis passar suas ideias (leia a sequência didática).

Quem está acostumado a ensinar com base nas regras e muda a prática em sala de aula para a análise de variadas obras sente uma diferença brutal na aprendizagem dos estudantes. Foi o que ocorreu com Milene Aparecida de Lima Moreira, que leciona no 4º ano da EM Bernardo Ferreira Guimarães, em Rio Piracicaba, a 132 quilômetros de Belo Horizonte. Quando começou a fazer cursos de formação continuada sobre produção de texto, ela repensou sua maneira de trabalhar. Nos primeiros meses de aula, já utilizou os novos conhecimentos.

Com base nos resultados de uma produção individual de texto, Milene identificou os erros dos estudantes e os itens a que precisaria dar mais atenção. "Eles acertavam na grafia das palavras e na construção da composição, mostrando coerência e começo, meio e fim bem delimitados", explica. No entanto, apesar de usarem os sinais de pontuação em exercícios com frases soltas, eles tinham dificuldades no momento de escrever textos completos. "As crianças usavam de vez em quando o ponto final e a vírgula. E só", relata. Milene criou uma série de atividades com o objetivo de analisar o uso de sinais que aparecem com frequência nos diálogos das fábulas, como dois-pontos e travessão. Para ela, a pontuação hoje tem outro propósito: "Se você quer que os alunos produzam bons textos, com fluência e lógica, esqueça as atividades de pontuação de frases isoladas", diz com propriedade.
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