ROTEIRO PARA SER FELIZ NO AMOR - I
2. É difícil definir felicidade: podemos, de
modo simplificado, dizer que uma pessoa é feliz quando é capaz de
usufruir sem grande culpa os momentos de prazer e de aceitar com
serenidade as inevitáveis fases de sofrimento. É impossível nos
sentirmos felizes o tempo todo, mas os períodos de felicidade
correspondem à sensação de que nada nos falta, de que o tempo poderia
parar naquele ponto do filme da vida.
3. Apesar de ser acessível a todos, o fato é
que são muito raras as pessoas que são bem sucedidas no amor. Ou seja,
deve existir um bom número de requisitos a serem preenchidos para que um
bom encontro aconteça. Não tem sentido pensar que a felicidade
sentimental se dê por acaso; não é bom subestimar as dificuldades que
podemos encontrar para chegar ao que pretendemos; as simplificações
fazem parte das estratégias de enganar pessoas crédulas.
4. O primeiro passo para a felicidade
sentimental consiste em aprendermos a ficar razoavelmente bem sozinhos.
Trata-se de um aprendizado e requer treinamento,
já que nossa cultura não nos estimula a isso. Temos que nos esforçar
muito, já que os primeiros dias de solidão podem ser muito sofridos. Com
o passar do tempo aprendemos a nos entreter com nossos pensamentos, com
leituras, música, filmes, internet, etc. Aprendemos a nos aproximar de
pessoas novas e até mesmo a comer sozinhos. Pessoas capazes de ficar bem
consigo mesmas são menos ansiosas e podem esperar com mais sabedoria a
chegada de amigos e parceiros sentimentais adequados.
5. Temos que aprender a definir com precisão
nossos sentimentos. Nós pensamos por meio das palavras e se as usarmos
com mais de um sentido poderemos nos enganar com grande facilidade.
Cito, a seguir, alguns dos conceitos que tenho usado e o sentido que a
eles atribuo. Amor é o sentimento que temos por alguém cuja presença nos
provoca a sensação de paz e aconchego. O aconchego representa a
neutralização do vazio, da sensação de desamparo que vivenciamos desde o
momento do nascimento. O aconchego é um "prazer negativo", ou seja, a
neutralização de uma dor que existia - nos leva de uma condição negativa
para a de neutralidade. Amizade é o sentimento que temos por alguém
cuja presença nos provoca algum aconchego e cuja conversa e modo de ser
nos encanta. Segundo essa definição, a amizade é sentimento mais rico do
que o amor, já que a pessoa que nos provoca o aconchego - apesar de que
menos intenso e, por isso mesmo, gerador de menor dependência - é muito
especial e despertanossa admiração pelo modo como se comporta moral e
intelectualmente. Sexo é uma agradável sensação de excitação derivada da
estimulação das zonas erógenas, de estímulos visuais e mesmo de
devaneios envolvendo jogo de sedução e trocas de carícias tácteis. É
evidente que a sexualidade envolve questões muito complexas, que não
cabe aqui discutir. Quero apenas enfatizar que sexo e amor correspondem a
fenômenos completamente diferentes, sendo que o amor está relacionado
com o "prazer negativo" do aconchego e o sexo é "prazer positivo", já
que nos excitamos e nos sentimos bem mesmo quando não estávamos mal; o
amor nos leva do negativo para o zero, ao passo que o sexo nos leva do
zero para o positivo. Amor, sexo e amizade podem existir separadamente e
também podem coexistir. A mesma pessoa pode nos provocar aconchego e
desejo sexual mesmo sem nos encantar intelectualmente; nesse caso,
falamos de amor e de sexo. Podemos estabelecer um elo de amizade e sexo
sem o envolvimento maiordo amor. Podemos vivenciar o sexo em estado
puro, assim como o amor - como é o caso do amor que podemos sentir por
nossa mãe, que independe de suas peculiaridades intelectuais e não tem
nada a ver com o sexo.
6. A escolha amorosa adequada se faz
quando o outro nos desperta o amor, a amizade e o interesse sexual. A
essa condição tenho chamado de +amor, mais do que amor. Amigos são
escolhidos de modo sofisticado
e de acordo com afinidades de caráter, temperamento, interesses e
projetos de vida (falo dos poucos amigos íntimos e não dos inúmeros
conhecidos que temos). A escolha amorosa deverá seguir os mesmos
critérios, sendo que a escolha depende também de um ingrediente
desconhecido e indecifrável - porque escolhemos esse e não aquele
parceiro? Não é raro que no início do processo de intimidade a
sexualidade não se manifeste em toda sua intensidade. Isso não deve ser
motivo de preocupação, já que faz parte dos medos que todos temos quando
estamos diante de alguém que nos encanta de modo especial.
7. O medo relacionado com o encantamento amoroso é que determina o estado que chamamos de paixão: paixão é amor mais medo! Temos medo de perder aquela pessoa tão especial e do sofrimento que, nessa condição, teríamos. Temos medo de nos aproximarmos muito dela e de nos diluirmos e nos perdermos de nós mesmos em virtude de seus encantos. Temos enorme medo da felicidade, já que em todos nós os momentos extraordinários se associam imediatamente à sensação de que alguma tragédia irá nos alcançar - o que, felizmente, corresponde a uma fobia, ou seja, um medo sem fundamento real. As fobias existem em função de condicionamentos passados e devem ser enfrentadas de modo respeitoso, mas determinado.
Flávio Gikov
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