quarta-feira, 2 de março de 2011

Da Vida Para o Nosso Coração

Autor: Ebenézer Anselmo

Da Vida Para o Nosso Coração
(Ebenézer Anselmo – da Academia Evangélica de Letras do Brasil)
Ele chegou em dezembro de 2008, três dias antes do Natal, trazido por minha esposa. Ao vê-lo comentei: "Terezinha, você trouxe mais um animal para a nossa casa. Não vamos conseguir cuidar de todos eles; não conseguiremos tratar e alimentar, banhar, tosar, vacinar a todos, afinal, já temos quatorze animais em casa!". "Fiquei sem jeito de dizer não, foi um presente da Fátima da loja de rações, que me assegurou que ele nasceu em cativeiro e não conseguiria viver em liberdade", respondeu ela. Não muito satisfeito, calei-me e aceitei mais um membro para a nossa grande família. O que significava, verdadeiramente, mais trabalho para todos nós. Mas, a nossa experiência também nos dizia que receberíamos mais amor. Afinal, não há nada mais humano do que um animal que receba amor nem ninguém mais fiel do que um cão.
Todavia, de início não me entusiasmei muito com o novo membro da família – Lelinho, assim o batizamos. Era muito assustadiço, agitado, com medo de tudo e de todos, reagindo a qualquer movimento nas suas proximidades.
Passaram-se dias, semanas, e ele lá na sua gaiola – era um canário belga – calado e sempre muito espantado. Aos poucos começou a cantar, inicialmente, um pouco desconfiado e comedidamente. Logo adquiriu confiança e começou a dar show, cantando de um modo lindo, dobrado, repetido, alongado e entremeado de pequenos silvos. Dava verdadeiros concertos, cantando incansavelmente em três períodos do dia: pelas manhãs, à tarde e até mesmo à noite. Encantava-nos a todos, e enchia nossa copa-cozinha de alegria e prazer com o seu cântico de verdadeiro campeão.
Fui me afeiçoando cada vez mais a ele. E, mais lentamente, ele a mim. Ao chegar à casa no final do dia, tirava o paletó e a gravata e me sentava na sala para um ligeiro descanso e para saber da esposa como tinha sido o seu dia. Ao ouvir minha voz, Lelinho cantava, lindamente como sempre. Mais de um modo mais intenso no final do dia, como a saldar minha volta. A princípio achava lindo o seu canto, mas, nada além disso. Aos poucos fui me afeiçoando àquele lindo canarinho e a cada dia era maior o meu prazer em ouvi-lo cantar. Comecei, então, a conversar com ele e o fazia de um modo muito simples: Dizia eu pra ele: "Oi, Lelinho"! "Tudo bem Lelinho?!"... "Canta para o pai, vai, canta para o pai". E ele apenas dava um pio, grande e alongado, como que também me saudando. Era como se ele me dissesse: "Oooiiiiii...", através daquele pio longo e arrastado. E eu repetia a saudação: "Oi, Lelinho!" E ele repetia a resposta, tantas vezes quantas eu formulasse a pergunta. Depois de alguns minutos, começava a cantar, dando-nos um verdadeiro show particular. Com o tempo comecei sentir um grande amor por ele. Tornei minha ida diária à copa-cozinha um hábito bastante arraigado e muito importante para mim. E lá me postava eu por uns bons cinco ou dez minutos conversando com o meu querido Lelinho, todos os dias. Ele piava e eu o chamava pelo seu nome, e ele cantava e eu repetia o seu nome por várias e várias vezes. Não só nos cumprimentávamos, mas, conversávamos do nosso jeito, por um bom tempo.
Ao adentrar à copa, ocorria mais do que um simples encontro diário, havia quase que uma parceria, tal a vinculação de carinho e amor que existia entre nós. Eu elogiava o seu cântico, suas lindas asas amarelas, sua beleza – tão amarelinho, tão inteligente, tão gentil, tão amigo. E ele me respondia, primeiro piando e depois cantando.
E a vida seguia. O tempo passou. Recentemente, viajei por três semanas e retornei no último dia 23 de fevereiro. Ao chegar ao lar abracei e beijei minha esposa, fiz festa e carinho nos meus dez maravilhosos cachorros, dois gatos e um papagaio, e, ao me dirigir à copa para conversar com o Lelinho, minha esposa colocou-se rapidamente à minha frente, impedindo-me de prosseguir, e disse-me: "Tenho uma coisa para dizer, uma coisa muito triste". Surpreso e já preocupado, respondi: "O quê?!" Titubeante e lentamente, ela me disse: "O Lelinho morreu..."
Não acreditei ou não quis acreditar e respondi: "Não acredito, você está brincando comigo!" disse-lhe eu, já surgindo algumas lágrimas nos meus olhos. "Queria estar brincando nessa hora", respondeu-me ela, tristemente. "Mas... Não estou. O Lelinho morreu, infelizmente".
Enterramos nosso pequeno amigo no jardim junto a uma roseira. Minha mulher colheu uma linda rosa e colocou junto ao seu túmulo, fincando seu caule no jardim, bem ao lado do Lelinho.
Três dias se passaram, choveu bastante, o sol se abriu forte algumas vezes sobre àquela rosa, mas ela ainda está lá, aberta, linda, viva, ao lado do meu amigo, que não se foi: continua morando no nosso coração.
http://www.artigonal.com/amizade-artigos/da-vida-para-o-nosso-coracao-4319730.html
Perfil do Autor

Membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil.

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