Não Podemos Comandar o Amor?
Amor, Razão
Amamos sem querer, e às vezes amamos quem não devíamos ou quem não queríamos amar. «Não te amo, não te amo!», grita a razão, no caso dos amores românticos, a não querer amar. Mas o amor teima em persistir, contra a vontade do sujeito:
Não te amo! Não! Não te amo!
E no entanto quanto não estás, como me apetece morrer
E como invejo o céu azul por cima de ti
E as quietas estrelas, que te podem ver.
O amor não depende da nossa vontade. Não podemos amar um desconhecido, uma mulher, um homem, uma coisa… sob comando da nossa razão, ou de alguém. Não amamos os nossos pais, os nossos cônjuges, ou os nossos filhos, a pedido da nossa razão, da nossa ideia de Deus, do dever, ou do amor. O amor é espontâneo. Ou existe ou não existe. Ultrapassa o nosso querer.
É a perspectiva corrente. Mas será realmente assim? Não haverá nunca uma sementinha de razão ou de aprendizagem no amor?
Será que o amor aos desconhecidos e à humanidade em geral, defendido e praticado por um Dalai Lama, ou por uma Madre Teresa de Calcutá, é um exclusivo dos santos e uma excepção que confirma a regra?
Ou será que também nós somos capazes de aprender a amar, e que a nossa razão pode mostrar-nos caminhos, e apresentar-nos valores (de bem, de mau…), e que esses valores podem inspirar a nossa prática, e ajudar-nos a sermos melhores, e a não amar apenas os que nos são próximos, em parentesco?
Não somos seres puramente determinados. O amor - nas suas formas mais elevadas – é também uma criação do próprio homem. É o que diz Picco de La Mirandola, o grande humanista italiano do século XV, na sua linguagem poética:
Os animais, logo que nascem, trazem do vento materno tudo o que depois possuem. Os seres espirituais tornam-se no que têm que ser para sempre. Mas ao homem, e só a ele, Deus deu as sementes e germes de todas as formas de vida. Se forem vegetativas, será como uma planta. Se sensitivas, tornar-se-á brutal. Se racional, crescerá como um ser divino. Se intelectual, será como um anjo e filho de Deus.
Ou seja, numa linguagem menos poética: não estamos condenados a ser os seres abjectos entrevistos por Maquiavel. Banhado pela luz da razão, o homem pode crescer em termos de valores, generosidade, devoção ou amor.
Permaneceremos sempre longe da santidade, e dentro de nós haverá sempre um lado escuro, os nossos reflexos mais animais e básicos, os nossos instintos mais egoístas e condenáveis, as nossas contradições. Mas de modo algum estamos condenados a ficar imersos na nossa natureza animal mais baixa, sublinhada por Maquiavel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário