Festas de São Pedro de Joselândia: cultura e meio ambiente em diálogo permanente
LABORATÓRIO 5 - PRÁTICAS CULTURAIS, SOCIOECONOMIA E EDUCAÇÃO
PROJETO 5.1 – CIÊNCIA E CULTURA NA R
EINVENÇÃO EDUCOMUNICATIVA
Sub-projeto 5.1.3 – Avaliação Ecossistêmico do Milênio
Festas de São Pedro de Joselândia:
cultura e meio ambiente em diálogo permanente
Relatório de campo : Lucia Shiguemi Izawa Kawahara
No belo período da
vazante do Pantanal mato-grossense (março/2012), o Grupo Pesquisador em
Educação Comunicação e Arte da Universidade Federal de Mato Grosso –
GPEA/UFMT voltou à São Pedro de Joselândia para realizar,
principalmente, um levantamento socioeconômico da comunidade, objetivo
este, compartilhado por todos os membros da expedição de quatorze
pesquisadores.
Figura 1 - Pesquisadores do GPEA a caminho de São Pedro de Joselândia (foto: Lucia)
Além da pesquisa
socioeconômica de cunho quantitativo e comum à todos do grupo, cada
integrante teve a oportunidade em realizar a imersão investigativa
individual numa abordagem qualitativa e aprofundada de seus projetos. No
meu caso em particular, busquei conhecer melhor a percepção da
comunidade sobre as relações das festas tradicionais de São Pedro de
Joselândia com o meio ambiente, com a comunidade e com a qualidade de
vida. Esta pesquisa com interface na metodologia da Avaliação
Ecossistêmica do Milênio - AEM da Organização das Nações Unidas - ONU,
procura estabelecer o estudo das relações dos serviços ecossistêmicos e o
bem-estar humano, acrescentando a dimensão da Educação Ambiental
Pós-Crítica que sustenta nossos princípios de pesquisador e educador do
GPEA.
Figura 2 - Entrevista sobre as Festas (foto: Péricles)
O levantamento do
perfil socioeconômico da comunidade exigiu de nós um trabalho intenso em
visitar o maior número de residências possíveis em São Pedro. Ao
abordar os responsáveis pela moradia, explicamos que tal pesquisa era realizada
pelo GPEA, sob coordenação da professora Dra. Michèle Sato associado ao
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas – INAU, e
que nossa pesquisa tem como objetivo “Promover a audiência científica em São Pedro de Joselândia,
por meio da arte e da educomunicação, associando a noção de habitat ao
território, do hábito à identidade e do habitante ao grupo social
identificado como ‘pantaneiro’” [1] e portanto, precisávamos conhecer melhor a comunidade
como um todo. Para a nossa grata surpresa, todos os moradores nos
receberem prontamente, demonstrando interesse e abertura para oferecer
as informações e apoio necessários para a implementação da pesquisa do
nosso grupo.
Figura 3 - pesquisador mirim auxiliando na aplicação do questionário (foto: Lucia)
Nas
entrevistas realizadas com os moradores e os ex-festeiros ou ex-juízes,
percebemos o imenso valor que os moradores desta região atribuem às
festas desta localidade. Segundo os entrevistados, as festas de São
Pedro de Joselândia representam uma identidade cultural comunitária, ela
representa a coletividade, gerações
foram e são envolvidas, apesar das mudanças provenientes dos tempos
atuais este ritual garante o bem estar comunitário, como afirma uma das
nossas entrevistadas:
Ah não é bom...porque essa [a festa de São Pedro] desde nosso nascimento já tinhamos ela, então se ela acabar tem que acabar o mundo, porque é perigoso até, né? Ah Essa não é bom acabar em São Pedro...Já diferenciou, não está mais como era, mas ainda tem. Porque é São Pedro aqui é a diversão do lugar...São Pedro a diversão do lugar!!! É o divertimento nosso. Quem quer vai, quem não quer não vai. Mas é divertimento. (D. Maria Benedita da Conceição em entrevista concedida para a pesquisadora Rosana Manfrinate)
Figura 4 - D. Maria Benedita da Conceição (foto: Rosana)
O
Sr. Joselito da Silva, ex-festeiro da festa de São Pedro, confirma a
importância da festa, assinalando inclusive que as festas desta
comunidade têm uma identidade própria, diferenciando-se de outras festas
de outras localidades, sendo tipicamente pantaneira e não se confunde
com as tradições de outras regiões.
É, é pantaneira, estas (festas) aqui é pantaneira! Cada
um tem uma tradição diferente, desde a dança, é, desde a dança é
diferente, cada um tem um, do nordeste é diferente, nosso aqui já tem
diferença, ai mesmo de Cuiabá, a dança de siriri é diferente daqui. (Sr.
Joselito da Silva, festeiro de 2008)
Figura 5 - D. Lucia Pereira Rodrigues da Silva, esposa do Sr. Joselito da Silva,
mostrando a bandeira do ano (2008) em que assumiram a organização da festa (foto: Lucia)
As relações das festas
com o meio ambiente não são percebidas com facilidade, ao questionarmos
se elas teriam alguma relação com a natureza, sobre os benefícios ou
malefícios das festas causadas à natureza, muitos afirmam que não há
muita relação. No entanto, quando conversamos com mais vagar, dialogando
sobre as provisões ofertadas pela terra, começam a lembrar do milho,
arroz, feijão, mandioca e muito mais retirados das plantações; também
elencam a madeira, a palha, os mastros utilizados
nas festas, começam a refletir melhor e revelam o saber e o fazer que
desde muito praticam no local, demonstrando as ligações existentes
entre a cultura popular e o meio em que vivem. (GROOT, R.; RAMAKRISHNAN, P.S., 2005, p. 457)[2]
O Sr. Joaquim, um dos ex-festeiros mais
idosos de São Pedro de Joselândia, demonstra o quanto as festas, apesar
de ser momento de diversão, são representativas da religiosidade da comunidade, da união e o sentimento de dever e a devoção do povo a Deus:
A festa é para nós adorar! Deus deixou a festividade pra nós, para
diversão do povo, por que Deus deixou, você vai fazer a festa, então pra
louvar Ele, pra estar lembrando d’Ele em louvor Dele que faz aquela
alegria e aquela coisa assim e esse que é!! Não é dizer que é só por
que nós que quer fazer, é um dever né?! Ai a senhora faz, tem uma
devoção com o Senhor Divino, e diz, ‘oh eu vou festejar o Senhor Divino’
e então todo ano a senhora festeja. Deus deixou a brincadeira, a
diversão, a festividade, a reza, o adorar o Santo. (Sr. Joaquim Santana
da Silva – festeiro de 1991)
Figura 6 - espaço reservado ao sagrado em uma das muitas residências
católicas da comunidade de São Pedro de Joselândia (Foto: Lucia)
Percebemos
então que as festas de São Pedro de Joselândia comungam em torno do seu
ritual todas as categorias apontadas pela pesquisa realizada AEM/ONU
como dimensões dos Serviços Ecossistêmicos Cultural, a saber: tradição
cultural; identidade cultural; valores estéticos; de inspiração;
valores religiosos e espirituais, recreação e turismo. Reafirmamos a
intrínseca relação dos serviços culturais com os demais serviços de
provisão, suporte e regulação, pois como sabiamente afirmou Sr. Joaquim:
Esta festa do pantanal, quer dizer que é do povo, é do pantanal, é do
povo daquele setor, é desse povo, daquele povoado. É o que existe
dentro do pantanal, é o que dá pra fazer a festa, ali pode fazer, tem
arroz, tira o arroz, tem milho, tira milho e faz fubá, faz biscoito que é
daqui do pantanal, a mandioca é do pantanal, o gado é daqui do
pantanal, o porco é daqui do pantanal e aqui é tudo, tem tudo. (Sr. Joaquim Santana da Silva – festeiro de 1991)
As entrevistas e
observações realizadas na pesquisa demonstram que o diálogo em torno das
festas desta comunidade pantaneira abre possibilidades de melhorarmos
as reflexões relativas à importância do Pantanal. Chama-nos atenção à
necessidade de ampliarmos ainda mais os momentos de aprendizagem
coletiva sobre o bioma, sobre a biodiversidade, sobre a cultura local e
produzir materiais educomunicativos para fortalecer a produção de
saberes e parcerias que possam auxiliar na melhoria da qualidade de vida
dos pantaneiros e conservação do Pantanal.
Cuiabá, 30/03/2012
Lucia Shiguemi Izawa Kawahara.
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