quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O coração de uma mulher é como o sangue das palavras


O coração de uma mulher é como a palavra, um segredo sem silêncio, a experiência das possibilidades infinitas, a ponte entre universos paralelos, o nó entre o primor e a amabilidade.
O coração de uma mulher é como a palavra, um mito sagrado em eternidade e no tempo. Um pulsar de vida sem preço. Um ritmo veloz, vibrante que me acaricia os ouvidos quando descanso no seu peito.
O coração de uma mulher é como uma mariposa colorida de palavras em desmedida alegria, compondo orações ou é simplesmente uma refrescante gota de orvalho acariciando a minha árida existência.
E sempre que o vento sopra e traz agitação cria um ambiente de maravilha e de onírico que nimba o meu corpo. O ar envolve-me, acaricia-me, despenteia-me, mas traz-me palavras, porque palavra trá-las o vento.
E, de rajada deixo-as vir. Aliás, imploro por elas, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
Para mim, nas palavras o sangue corre-lhes na sua essência, no seu significado.
- Venham palavras, invadam-me, possuam-me, torturem-me, com as vossas vogais consoantes e ditongos.
O desejo de as ter na palma da mão tatuadas em tinta eterna, olhar fixamente para elas, minhas, só minhas como o apóstrofo da minh’alma.
Escrever, escrever, escrever até a mão doer, o cérebro sofrer, o coração padecer, fechar e abrir os ossos dos dedos espalhando-as como pó mágico, comê-las, devorá-las, inalá-las, tocá-las, penetrá-las como a uma amásia prenhe de esperança, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia.
- Venham palavras, venham! Não me abandonem ao estéril destino sem fantasia, não me desabriguem do meu covil, não me deixem o coração feito num saltimbanco intemporal, tal peregrino de praia em praia, deixando o seu sémen florescendo em mulheres nunca dantes navegadas.
Olho as minhas gastas sebentas de rascunhos rabiscados. As sebentas despojadas de cor debaixo do leito cheias delas, a ansiar por mais, como vorazes de sílabas, a quererem desmembrá-las, cortá-las, moldá-las a meu total gosto, acrescentar neologismos, sons, virgulas, pontos, exclamações e interrogações.
Desejo ser o compositor de palavras, o escultor de metáforas, o poeta de antíteses, o pintor de ditério. Ser tudo e de todas as maneiras, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia.
- Venham palavras, por favor! Venham… Rasgando, trespassando, cavando, dilacerando a resma de papel níveo em cima da mesa, não deixar um espaço imaculado, sinónimos, antónimos, tudo; verbos de amor, advérbios de hoje, substantivos de mim, adjectivos possessivos que sou vosso.
Deleito-me ao cravar no marfim da folha a vossa marca de sangue, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
- Venham até mim palavras! Abracem-me com sofreguidão, repletas da pujança. Alinhem em perfeita harmonia e formem a oração do meu ser, a frase do meu sentir.
Como um doido no escuro a vociferar impropérios, o meu punho inflamado e empolado de tanto rodar, os dedos tortos, os óculos baços, as canetas roídas e gastas amontoadas, o quarto sem luz e no entanto escrevo, escrevo segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
Na ausência de papel escrevo no corpo. Braços, pernas, tronco, cabeça, o meu corpo polissilábico, pleno de azul e eu sabendo, nos momentos em que começo a fraquejar, que a luta apenas está a principiar, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia…
Por vezes, deslizam-me algumas frases dos meus olhos, abertas e sós nas minhas mãos em gadanha.
Mesmo que chore nem o meu pranto as podem agregar, nem o sentimento as pode soletrar. Engendro por vezes frases soltas nos lábios de poetas, reinvento poesia nos lábios de quem os sabe cantar. E todos os versos concebidos irei escrevê-los com tinta cristalina para que não se possa ler a ardor das letras escritas com o coração que pulsa e sonha.
A alma, essa, continua sempre, mas sempre a escrever nem que seja em silêncio.

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