quinta-feira, 9 de abril de 2015

Análise do estilo de Giotto


© Texto de João Werner

Giotto di Bondone (c. 1267-1337, Florença) foi reconhecido, já durante a sua vida, como o grande renovador da pintura italiana e, para muitos teóricos e historiadores desde então, como o pai da pintura moderna ocidental.
Dante cita-o na Divina Comédia, dizendo ele haver superado Cimabue, seu mestre. Vasari (1511-74), o pai da História da Arte, afirma que os pintores do Renascimento aprenderam tanto com Giotto quanto aprenderam com o estudo da natureza.
Entretanto, a vida de Giotto segue envolta em mistério e lenda. O próprio Vasari foi responsável por disseminar muitas das informações lendárias sobre o pintor florentino. Conta Vasari que Giotto era um jovem pastor de ovelhas, cujo passatempo era fazer pequenos esboços dos animais enquanto os apascentava. Um dia, passando por ali em viagem de negócios, o grande mestre da arte de então, Cimabue, encantou-se com a habilidade do menino e o convidou a trabalhar com ele em Florença. Ainda segundo Vasari, em pouco tempo de aprendizado, o jovem pastorzinho superou o mestre na arte do desenho.
Lenda ou não, o fato é que não há qualquer documentação que comprove ser da autoria de Giotto qualquer obra a ele atribuída. Dois dos conjuntos de pinturas que são consideradas realizadas por ele, a Capela Scrovegni em Florença e a Igreja de São Francisco  em Assis, têm tão grandes diferenças no estilo que muitos historiadores não admitem terem sido feitas pela mesma pessoa. Desvendar a autoria de Giotto é uma das maiores controvérsias na história da arte atual.
Retrato de GiottoMesmo assim, ele é considerado o iniciador da era da pintura na arte ocidental. Torna a pintura uma arte maior, paralelamente à longa tradição escultórica gótica e mosaicista bizantina. A grande arte gótica dos séculos XII e XIII tinha sido a escultura, especialmente na decoração dos tímpanos das catedrais francesas. Do mesmo modo, a tradição decorativa bizantina, especialmente em Ravena, havia sido o mosaico. Após Giotto, a pintura recobra seu lugar de destaque entre as artes, chegando a ser considerada, durante os anos posteriores no Renascimento e no Barroco, a maior arte de todas. (à esquerda, Retrato de Giotto, escultura, Galeria degli Uffizi, Florença)
A maior habilidade de Giotto está em unir um senso de realidade inédito na arte da época somado à capacidade de produzir ilustrações extremamente expressivas e humanas do texto bíblico. Como veremos em detalhe, suas pinturas causavam grande assombro entre seus contemporâneos, dada a sua grande semelhança com o mundo visível. Por outro lado, a caracterização que fez de São Francisco é considerada uma grande influência no modo como a posteridade imaginou a figura do santo católico.

Estilo

Para nossa época, acostumada aos milagres do Renascimento, à precisão fotográfica de Leonardo, Rafael e Michelangelo, o cultuado realismo de Giotto parece ser ainda grosseiro tosco. Entretanto, não devemos esquecer que o parâmetro dos contemporâneos do mestre florentino eram as criações extremamente estilizadas dos bizantinos. Vasari e os outros chamavam-nas de maneira grega, com um explícito tom pejorativo.
Dadas as características técnicas da criação do mosaico bizantino, grosso modo composto pela justaposição de pequenos blocos de pedra ou vidro, o resultado final carecia muito de sutileza na representação da figura humana. As personagens eram compostas de modo geometrizado, com linhas definidas e pouca ou nenhuma gradação tonal. Os afrescos e pinturas criadas na época eram, em grande parte, baseadas em uma mera transposição deste estilo do mosaico para apintura.
O primeiro aspecto realista a salientar na arte de Giotto é a tridimensionalidade com que constrói suas figuras. Os personagens parecem rolar sobre si mesmos. Acentuando a modulação dos tons, Giotto obtém uma destacável sensação de solidez nos corpos. Entretanto, o espaço que ele utiliza ainda não é o espaço da perspectiva cônica. Esta técnica só vai receber uma formulação completa cem anos mais tarde, com Brunelleschi. A arquitetura que Giotto desenha é envolvente e receptáculo dos corpos mas ainda não é coerente com um único ponto de vista.
Por outro lado, um outro aspecto de suas criações deve ter sido bastante pregnante para seus contemporâneos. Várias das figuras de seus afrescos se desprendem da cena e realizam atividades banais. A compostura solene e hierática das figuras bizantinas, super-humana, é deixada de lado por Giotto: os seus personagens agem como seres humanos comuns, de modo corriqueiro e até mesmo banal. Este modo de representar a figura humana era bastante incomum. Dois exemplos são aquele personagem que bebe água agachado, na cena de S. Francisco em O milagre da fonte, painel 14 na Igreja de S. Francisco em Assis (vista à esquerda), ou a figura que sobe na árvore quando Cristo chega em Jerusalém n'A entrada em Jerusalém, painel 26 na Capela Scrovegni, (vista à direita).

Expressão

Entretanto, sem perder a humanidade das figuras, Giotto soube criar uma intensa expressão moral em suas figuras. Este efeito é obtido pelo emprego de alguns recursos estilísticos bastante interessantes.
Inicialmente, o cenário é austero, pouco decorado como era costume nos mosaicos bizantinos. Nada da filigrana dourada ou dos tecidos extremamente texturados das cenas góticas. Ao contrário de uma pintura elegante e ornamentada de um pintor como Simone Martini (c. 1285-1344), as personagens de Giotto se vestem de modo simples, sem ostentação. Giotto despoja as personagens bíblicas dos paramentos da nobreza. Neste procedimento, acompanha o crescente movimento Franciscano, que dentro da Igreja Católica Romana pregará por uma religiosidade mais simples e intimista.
Toda a cena pintada por Giotto desenrola-se no primeiro plano, sem grandes desdobramentos até o fundo. O que se vê, está todo dado de imediato, e pode ser apreendido em um único golpe de vista. Além disso, Giotto coloca o ponto de vista do observador abaixo da linha média das figuras. Isto é, o observador é levado em conta na concepção da obra, dela fazendo parte como uma testemunha presente.
Entretanto, o principal efeito expressivo de Giotto é seu poder em evocar uma terna humanidade nas figuras de suas pinturas. O pintor era um extraordinário contador de estórias. Os gestos, as pausas e as distâncias entre as personagens são cuidadosamente trabalhadas. Para ficar apenas com um dos mais expressivos gestos criados por Giotto, podemos citar dois momentos distintos de um beijo.
O primeiro beijo, terno e íntimo, é dado entre Joaquim e Ana, no momento em que esta, já idosa, encontra o marido, nos portões da cidade. O casal ancião havia sido avisado por um anjo que, depois de tantos anos de preces e pedidos, ela está milagrosamente grávida, esperando por Maria, a futura mãe de Jesus. O casal se enlaça delicadamente, as mãos dela em torno ao rosto de Joaquim, o braço dele suavemente curvado, segurando-a firme, porém gentilmente. Os rostos se fundem em uma união afetuosa e carinhosa. (à esquerda, "O encontro no portão dourado" (painel 6), Capela Scrovegni, 200x185 cm, 1304-6).
O outro beijo retratado por Giotto é o dado por Judas em Jesus, no momento em que trai o Mestre, indicando-o para a tropa romana. Judas abraça Jesus, mas este não retribui seu abraço, permanece ereto, resignado, mas sem evitar o abraço traidor. Seus rostos se põem frente a frente e Jesus olha firme em direção à Judas. Este, ao contrário, parece não conseguir fitar o Mestre, seus olhos se perdem para o alto, vazios. As duas cabeças não se superpõem, como na cena de Joaquim e Ana, mas há um pequeno espaço vazio que Judas se esforça por transpor com seu beijo mortal. (à direita, "O beijo de Judas" (painel 31), Capela Scrovegni, detalhe, 200x185 cm, 1304-6).

Capela Scrovegni (Arena), Pádua

A Capela Scrovegni tem esse nome em homenagem ao seu financiador, Enrico Scrovegni, que a mandou erguer como um modo de expiar os pecados de seu pai, um conhecido usurário, mencionado, inclusive, por Dante. É também chamada de Capela da Arena por ter sido erguida em uma antiga arena romana. Foi iniciada em 1303 e, segundo os historiadores, Giotto trabalhou em seus afrescos por volta de 1305-6. Alguns estudiosos consideram provável que Giotto tenha sido, também, seu arquiteto.
Quatro conjuntos de cenas cobrem as paredes internas da Capela. No diagrama apresentado à direita, pode-se ver através dos números, a disposição destes conjuntos. Numerados de 1 a 6 estão os painéis da vida de Joaquim e Ana (em cinza, no diagrama). O já citado beijo de Joaquim e Ana é o afresco de número 6. A vida de Maria está representada nos painéis de n.º 7 até o n.º 16. Apaixão de Jesus cobre os painéis de n.º 17 até 39 e, nos painéis de n.º 40 até 53, estão cenas representando a personificação das Virtudes e dos Vícios.

Igreja Maior de São Francisco, Assis

A autoria destes afrescos é muito discutida pelos historiadores. Muitos não aceitam que tenha sido Giotto quem os tenha pintado. No diagrama à esquerda, vê-se a disposição dos painéis através da numeração.
Segundo alguns pesquisadores, um importante desenvolvimento técnico no afresco foi utilizado por Giotto e sua escola no canteiro de obras da igreja inferior de Assis. Anteriormente, era hábito trabalhar o afresco em faixas horizontais, de cima para baixo na parede, descendo dia a dia os andaimes (pontate). Giotto alterou esta prática, adotando um método mais apropriado à criação expressiva e à necessidade de uma jornada (giornata) de trabalho. A camada fresca de argamassa (intonaco) era derrubada no final de um dia, caso não tivesse sido utilizada na pintura. Assim, as figuras individuais podiam receber maior atenção do mestre pintor, que não precisava apressar-se para concluir uma faixa horizontal inteira de parede. Este método conferia, também, uma maior organicidade ao conjunto pois a divisão do trabalho era mais criativa do que mecânica.


Veja mais: http://www.auladearte.com.br/historia_da_arte/giotto_estilo.htm#ixzz3WoxhA4Gu
Under Creative Commons License: Attribution Share Alike

Nenhum comentário:

Postar um comentário