quinta-feira, 9 de abril de 2015

Análise do estilo de Kandinsk


© Texto de João Werner

Kandinsky é um dos artistas mais importantes na total reformulação que a arte sofre no início do século XX. Pode ser considerado um dos pais da arte abstrata, juntamente com o holandês Piet Mondrian e o russo Casimir Malevich. Foi, não apenas um artista atuante, sendo um dos mentores das chamadas vanguardas artísticas, mas, também, um importante teórico e produtor cultural.
Nascido em Moscou, no dia 4 de dezembro de 1866, formou-se em direito, profissão que abandonaria aos 30 anos para dedicar-se inteiramente à pintura. Após a separação dos pais em 1871, passou a ser criado por uma tia. Suas agudas sensibilidade e imaginação foram profundamente marcadas na infância pelos contos folclóricos russos e alemães que esta tia lia para ele.
Retrato de KandinskyOutros dois fatores vão influenciar intensamente sua sensibilidade artística durante a juventude. Em 1889, aos 23 anos, realizando um trabalho de pesquisa para a Sociedade das Ciências Naturais, Etnográficas e Antropológicas, entra em contato com a intensamente cromática cultura campesina russa. A profusão de cores no mobiliário e nas vestimentas dos camponeses vai lhe dar a impressão de caminhar dentro de umapintura viva. Em um quadro de 1907, A vida colorida (ao lado), vemos como sua imaginação ficou marcada por este período. (à esquerda, fotografia de Kandinsky
Outra experiência da juventude cuja influência vai perdurar por toda a sua vida foi o contato com a ópera do compositor Richard Wagner. Ao assistir Lohengrin no Teatro Real de Moscou, Kandinsky tem pela primeira vez a vivência concreta da sinestesia, isto é, a percepção das íntimas relações sensoriais entre sons e cores, entre música e pintura. Ouvir uma nota musical para ele era ter, simultaneamente, a sensaçãode uma cor específica. A correspondência entre notas musicais e cores era tão precisa que poderia, inclusive, permitir a tradução de pinturas em partituras e vice-versa.

Abstração

Aos 30 anos, Kandinsky abandona a promissora carreira universitária em Moscou e muda-se para Munique, juntamente com sua jovem esposa e prima, Anya Chimiakin. Na efervescente metrópole alemã, procura ansiosamente obter os conhecimentos técnicos de arte que sentia carecer. Sob a influência do Impressionismo e da recém criada Jugenstijl (Art Nouveauarte nova), matricula-se em vários cursos e participa da vida cultural bávara.
Em 1901, funda com outros artistas a Phalanx, uma associação de artistas. Através desta associação, organiza diversas exposições, onde apresenta as obras de arte mais modernas da Europa, de diversos artistas da Art Nouveau, do Simbolismo e Impressionistas. Até 1904 foram organizadas 12 mostras de arte sem que, entretanto, suas próprias obras recebessem da crítica mais do que uma indiferença hostil. Dos escombros da Phalanx restaram apenas alguns amigos e Gabriele Münter, uma ex-aluna e também pintora, com quem Kandinsky manterá uma estreita ligação após a dissolução de seu casamento.
De 1904 a 1909 vive e trabalha com Gabriele. Participa de diversas exposições, principalmente em Paris, onde entra em contato com o Fauvismo e o Cubismo. Em 1909 compra uma casa na pequena Murnau, e seu estilo revela a influência fauve, na escolha das cores vibrantes e nas grandes áreas coloridas com pouca ou nenhuma modulação tonal. Lê, nesta época, a fundamental tese de doutoramento de Wilhelm Worringer, Abstraktion und Einfühlung (Abstração e Empatia), de 1907, considerada a primeira (e mais importante) elaboração teórica sobre a validade estética da arte abstrata.
A tese de Worringer sobre a arte abstrata parte da análise das relações entre o ser humano e a natureza. O autor afirma, grosso modo, que há duas grandes tendências na experiência humana no confronto com o mundo natural. Uma, pacífica, vê na natureza a fonte tranqüila dos recursos vitais. A natureza é a Grande Mãe que tudo dá e, com ela, o ser humano desenvolve uma empatia que se revela através de uma arte que reproduz com maior ou menor justeza o que se vê no mundo natural. A segunda tendência, ao contrário, é conflituosa. A natureza é fonte, principalmente, de apreensões e de temores. O ser humano vive sacudido pelo pânico de ser devorado por algum animal ou lançado aos ares por algum cataclismo. A arte que este ser humano produz é uma arte que nega o mundo natural, que se afasta dele através da abstração.
Kandinsky amplia, então, a sua intuição de que a arte, para ser esteticamente válida, não necessita do motivo natural, isto é, que uma arte significativa pode ser realizada também através do abstrato.
Outro golpe importante na concepção de arte como reprodução de um objeto vem das leituras que Kandinsky realiza sobre tratados ocultistas, especialmente os da Sociedade Teosófica, fundada pela russa Helena Blavatsky. Assim como o artista Mondrian também proporá, Kandinsky vê no abandono do objeto pela pintura uma outra forma de se buscar a essência das coisas por trás das aparências. Para Kandinsky, ao invés de mediar seu espírito através do objeto representado, o artista deve utilizar-se da forma e da cor abstratas para revelar, diretamente, sua necessidade interior.
A partir de 1909, Kandinsky passa a dividir sua produção pictórica em três grupos distintos. O primeiro grupo, Impressões, guardaria referência ainda a um motivo naturalista. O segundo grupo, Improvisações, pretendia ser o reflexo de uma emoção espontânea. O terceiro grupo, Composição, o grau mais elevado de complexidade, onde as Improvisações seriam articuladas de forma mais completa. A linguagem musical utilizada por Kandinsky não era casual, mas sim intencional. Ele via a música como a mais formal das artes, isto é, aquela onde o ritmo e a tonalidade seriam apresentadas de maneira mais pura. (ao lado, Improvisação nº. 7, 1910, óleo sobre tela, 131x97 cm, Tretyakov Gallery, Moscou).
Esta evolução de Kandinsky revelou-se em diversas participações em exposições artísticas, mas recebeu da crítica uma acolhida extremamente hostil. Chegaram a afirmar que suas pinturas só podiam ser obra de um louco ou de um "viciado em morfina ou haxixe". Mesmo a Nova Associação dos Artistas de Munique (NKVM), co-fundada por Kandinsky em 1909, vai impedir a participação de um de seus trabalhos em uma exposição de 1911.
Com a separação da NKVM, Kandinsky funda o movimento Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul) em 1911, juntamente com vários outros artistas, entre os quais Franz Marc e Gabriele Münter. A primeira exposição do movimento em 18 de dezembro daquele ano, contaria com a publicação da primeira obra teórica de Kandinsky, Do espiritual na arte, onde o artista expõe as razões estéticas de seu trabalho. O Cavaleiro Azul significou a ruptura completa com a representação do objeto na pintura. A forma e a cor emancipam-se da figura e desvelam a autêntica carga espiritual que as motivou.

"Necessidade interior"

O livro Do espiritual na arteé uma suma das idéias estéticas de Kandinsky. O ponto de partida de sua concepção artística é a visão profética da vida espiritual da humanidade. O artista compara o momento espiritual da sociedade a uma pirâmide, onde a base representa o que há de mais material e o ápice o que há de mais espiritual. A base avança lentamente na direção de seu ápice, isto é, tornando-se mais e mais despojada de sentimentos mesquinhos e materialismo, alcançando com muito esforço o que o ápice da pirâmide vivenciava ontem. Os que ocupam o ápice da pirâmide, ao contrário, são poucos, algumas vezes resumem-se a apenas um ser humano que, incompreendido pela maioria, é responsável por fazer avançar toda a humanidade.
Neste sentido, a atividade criadora artística tem uma conotação messiânica, uma função de revelar à maioria da humanidade os novos parâmetros do progresso espiritual. Era assim que Kandinsky concebia a atividade artística que elaborava o abstracionismo. Para ele, "todo aquele que mergulhar nas profundezas da sua arte, à procura de tesouros invisíveis, trabalha para elevar esta pirâmide espiritual, que alcançará o céu". (Do espiritual...).
A maneira que tem o artista de alcançar a alma de cada forma e de cada cor, bem como de cumprir seu papel messiânico no progresso espiritual da humanidade é seguir o "guia infalível", a necessidade interior. Esta é composta de três componentes:
  1. Elemento da personalidade, o que é próprio de cada artista, enquanto ser criador.
  2. Elemento próprio de cada época, da cultura de um povo.
  3. Elemento artístico puro e eterno, que é próprio da Arte.
Destes três componentes, o mais importante é, para Kandinsky, o terceiro. Mas ele não fala da arte enquanto atividade cultural humana mas, sim, enquanto produto elevado do espírito. Kandinsky chega mesmo a, explicitamente, criticar as teorias da arte pela  arte, isto é, aquelas teorias que vêem na arte como uma atividade auto-compensatória, que se justificapor si mesma. A Arte com "A" maiúsculo de Kandinsky é uma expressão do Espírito.
Sendo assim, ao contrário do que possa parecer, a necessidade interior não corresponderia a uma vontade pessoal do artista, ou à expressão de seus sentimentos íntimos ou de seu ponto de vista pessoal. A componente final e última da razão da criação seria, na verdade, um componente espiritual objetivo, cuja origem não se encontra no artista mas, sim, em teorias místicas e religiosas. Ao artista caberia sintonizar-se com este princípio e, a partir dele, buscar as melhores formas e cores com os quais o traduzir.

Linguagem visual

Na origem desta concepção está a idéia de que as cores e as formas pictóricas exercem uma intensa ação psíquica. A pintura pode fazer vibrar intensamente o espírito evoluído e a harmonia das cores "baseia-se exclusivamente no princípio do contato eficaz". Sendo assim, Kandinsky dedica-se a expor uma verdadeira linguagem das formas e das cores, onde cada cor e forma é estudada em seus possíveis efeitos sobre a alma.
A maior parte de seu Do espiritual na arteé uma tentativa de produzir um dicionário das formas e cores a partir de seus significados espirituais. A cor, por exemplo, é analisada a partir de quatro variáveis (quatro sons, diz Kandinsky):
  1. o calor ou o frio da cor, que são traduzidos empiricamente pela tendência geral da cor em dirigir-se para o amarelo (quente) ou para o azul (frio)
  2. a claridade ou a obscuridade da cor
O par amarelo e azul produz dois movimentos gerais, um horizontal e outro excêntrico/concêntrico. No movimento horizontal, o amarelo realiza um deslocamento psíquico da cor em direção ao observador (corporal) enquanto que o azul, ao contrário, realiza um deslocamento do espectador em direção à cor (espiritual). Por outro lado, o amarelo é responsável por produzir um movimento excêntrico, isto é, de distanciamento de seu próprio centro enquanto que o azul realiza movimento diverso, em direção ao seu próprio centro (concêntrico).
Subseqüentemente, em seu Do espiritual na arte, Kandinsky passa em revista todas as outras cores do espectro, declarando suas componentes psíquicas, em função das quatro variáveis iniciais.

Kandinsky professor

Após seu período heróico, onde formula teórica e artisticamente o abstracionismo na arte, Kandinsky atravessa por várias fases de vida e de criação bastante conturbadas e frustrantes.
Durante a 1ª Guerra, volta à Rússia e participa ativamente da reconstrução cultural durante os primeiros anos da Revolução. Kandinsky desenvolveu atividade docente, envolvendo-se na constituição de diversos institutos de arte russos, entre os quais o NARKOMPROS (Comissariado do Povo para a Formação Cultural) e o INChUK (Instituto de Cultura Artística). Ele pesquisou as relações entre a psicologia da percepção e a teoria das cores. Estas experiências seriam a base de seu ensino posterior na Bauhaus alemã. (ao lado, Em cinza, 1919, óleo sobre tela, Musée National d'Art Moderne, Centre Georgespompidou)
Entretanto, sua tendência espiritual de compreender a arte logo entra em choque com a visão materialista dos artistas formalistas e construtivistas. Estes viam no simbolismo e misticismo de Kandinsky um retrocesso romântico no progresso alcançado pela arte no século XX. Seu ensino baseado na análise psíquica das formas e cores elementares era recusado pelos construtivistas que salientavam a análise minuciosa dos materiais e um cuidado no ordenamento construtivo dos mesmos. O crescente isolamento e a influência determinante do partido Bolchevista sobre a política artística em 1922 leva-o a abandonar a Rússia e retornar à Alemanha.
Aceita o convite de Walter Gropius e ingressa como professor na Bauhaus em Weimar, no atelier de pintura mural. O corpo docente desta prestigiosa escola de arquitetura e arte aplicada era constituído por alguns dos mais destacados artistas da época. Kandinsky logo vai desenvolver um alentado programa de ensino, cuja suma é publicada por ele no livro Ponto e linha sobre o plano.
Sua teoria das cores permanece a mesma que fora publicada no Espiritual na Arte, mas a teoria das formas é sensivelmente ampliada, com uma análise bastante completa das formas básicas e de suas relações. Procura as ressonâncias espirituais para aquilo que chamamos deponto linha, seu dinamismo peculiar, mantendo como uma constante suas preocupações iniciais em estabelecer um paralelo com a música. Estuda as tensões que se estabelecem sobre o plano e como este, aparentemente neutro, influencia os efeitos que se obtém com uma composição.
Kandinsky, No azulParalelamente à atividade didática, sua pintura altera-se, com a utilização de um vocabulário mais geométrico. As manchas coloridas dos quadros anteriores são substituídas por círculos e linhas desenhados com precisão matemática. Para muito críticos e autores este é um período de refluxo criativo de Kandinsky. Estes teóricos ressentem-se do abandono pelo pintor das formas livres e expressivas dos primeiros anos do abstracionismo e vêem na forma geométrica utilizada uma carência de espontaneidade e imaginação. (ao lado, No azul, 1925, óleo sobre cartão, 80x110 cm, Kunstsammlung Nordrhein-Westafalen, Dusseldorf).

Os últimos anos

A destituição da Bauhaus em 1933 pelo regime nazista provoca uma debandada dos artistas para outros países. Kandinsky vai abrigar-se em Paris, onde permanece até o final da vida em 1944.
Sua pintura destes últimos 11 anos sofre uma nova guinada estilística. Inicia uma fase que os críticos chamam de biomórfica. Suas telas são povoadas de figuras que lembram seres microscópicos, protozoários e embriões, deslocando-se em grande agitação sobre a superfície da tela. (ao lado, Composição X, 1939, óleo sobre tela, Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen).

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