quinta-feira, 9 de abril de 2015

Análise do estilo de Leonardo da Vinci


© Texto de João Werner

Gênio indiscutível, criador de excelências em diversas áreas do espírito humano. Pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, inventor, cientista. Soube manter a multi-disciplinariedade de seus interesses sem que cada atividade sua interferisse com a qualidade das outras atividades, muitas vezes antagônicas. Por exemplo, dissecou cadáveres e projetou cruéis armas de guerra, mas suas pinturas tem uma profundidade de alma inigualável.
Consta que pediu perdão a Deus em seu leito de morte por ter se dedicado tão pouco à pintura. Deixou um legado de não mais do que trinta quadros, alguns verdadeiros ícones da arte. A sua  misteriosa Mona Lisa é, talvez, a pintura mais conhecida do mundo. Livre-pensador, não se encontra uma linha sequer em seus escritos acerca de religião. Mas produziu talvez o mais difundido e reproduzido monumento da fé católica, o afresco Última ceia.
Embora primasse pelo brilhantismo técnico, realizando suas pinturas com esmerado acabamento, Leonardo deixou inconclusas diversas de suas obras. Outras, como a Última ceia, deterioram-se ainda durante a vida de Leonardo, dada a sua tendência ao experimentalismo técnico. Entretanto, é considerado o inventor do sfumato, assim como da perspectiva aérea.
Leonardo encarava a pintura como forma de conhecer o mundo. Fez parte de um grande movimento cultural no Renascimento que visava tornar a pintura uma arte maior, equiparável à poesia e à oratória. Para os gregos, a pintura e a escultura não eram atividades para homens livres. Durante a Idade Média, embora os artistas e arquitetos gozassem de grande prestígio, a pintura era considerada uma arte vulgar, menor. Leonardo afirmava que a pintura era cosa mentale. Com isso queria ressaltar a alta atividade espiritual na elaboração da composição, especialmente através do uso consciente da geometria.
Conta-se que, quando executava a Última Ceia, o superior da abadia ficava perplexo ao vê-lo passar a maior parte do tempo parado, apenas contemplando a obra. Para o abade, Leonardo deveria trabalhar como qualquer artesão, desde cedo até o poente, incessantemente. Quando interpelado pelo Duque de Milão, patrono da obra, Leonardo respondeu "que os homens de gênio às vezes produzem mais quando menos trabalham, pois esta é a hora em que elaboram invenções e formam em suas mentes as idéias perfeitas que depois expressam e reproduzem com as mãos."

Esquema piramidal

O esquema compositivo mais comumente utilizado por Leonardo é o esquema piramidal. As figuras são dispostas na cena de maneira que o seu conjunto ocupe a maior área próxima ao chão, e quanto mais se elevam na vertical, menor área ocupam. Disso resulta uma estrutura em forma de triângulo que tornou-se, mais tarde, quase um padrão na arte de Rafael e outros pintores. Na ilustraçãoA Virgem com o Menino e Santa Ana, pode-se perceber como as três figuras enquadram-se dentro do esquema piramidal, em que pese a extraordinária naturalidade dos gestos e da expressão das personagens.

Variedade dos gestos

Segundo consta, durante a realização da Última ceia, Leonardo empregou muito tempo perambulando por diversos locais da cidade, inclusive as prisões, em busca de rostos cuja fisionomia mais se enquadrasse às qualidades expressivas que ele pretendia para a obra. Lenda ou não, seus cadernos de esboços estão cheios de desenhos desta natureza, inúmeros estudos de rostos e expressões, mãos em gestos variados, os quais são uma das suas marcas criativas. Alberti já havia afirmado em seu tratado que uma das coisas que dá prazer em uma pintura seria a variedade e a copiosidade dos gestos e dos personagens. E não apenas isto, mas que cada movimento de mão, cada expressão facial manifestasse os movimentos da alma. Parece que Leonardo vai perseguir este ideal em suas pinturas.

Sfumato

sfumato é a passagem da luz para a sombra, realizada de maneira tão sutil que quase não é perceptível o limite entre uma e outra. Isto, consegue-se pelo hábil manejo do pincel (ou outros instrumentos suavizadores, como os dedos ou o esfuminho), aplicando suavemente a tinta, ora vindo da luminosidade em direção à sombra, ora vice-versa. O efeito é o de uma sutil gradação. Com isto, eliminam-se os contornos nítidos, reduzindo a precisão dos traços e ampliando a ambigüidade expressiva. Leonardo utilizou este recurso técnico em várias pinturas. Na Mona Lisa, por exemplo, os contornos dos olhos e os cantos da boca receberam este tratamento técnico, o que talvez seja, em parte, responsável pelo indecidível estado de espírito da retratada. Ora ela parece sorrir, ora parece melancólica, e tais interpretações são mutuamente viáveis por que as linhas de expressão dos rosto permitem ambas as hipóteses. (à esquerda, possível autoretrato)
Uma conseqüência do emprego desta técnica é a possibilidade de não se trabalhar as figuras a partir de suas linhas de contornos, mas sim desde suas superfícies, ou melhor, da modulação suave da luz sobre os corpos. Artistas como Botticelli, por exemplo, fizeram da linha seu mais forte recurso expressivo. Os contornos são agudos e as figuras se destacam umas das outras pelos nítidos perfis. Em Leonardo, ao contrário, as figuras parecem avançar e recuar desde as sombras. Ele concebe a figura não por seu perfil, mas, digamos assim, pela sua superfície.

Perspectiva aérea

A perspectiva aérea é um modo de representar os efeitos das grandes distâncias na percepção que temos das cores e dos contornos dos objetos. Sabe-se que, quanto mais distante está um objeto ou uma cena de nós, menos nítidos vemos seus contornos. Também as cores são afetadas por esta determinante. Dada a presença do oxigênio no ar que intermedia a distância entre nós e as montanhas longínquas que Leonardo representou na Virgem e o Menino com Santa Ana, quanto mais distantes estão as montanhas, mais azuladas nos parecerão. Esta é também a razão de vermos o céu azul em dia de sol.

Mona Lisa

Jovem esposa de um homem rico, Monna (madona, senhora, em italiano) Lisa di Antonio Maria Gherardin, tinha cerca de vinte e cinco anos quando Leonardo começou a pintar seu retrato. Conta o pintor em suas anotações que mantinha a moça sempre de bom humor durante as sessões de pintura 'cantando, tocando algum instrumento e contando anedotas', para que ela não ganhasse uma expressão triste ou entediada.
Estranho que uma mulher tão rica se apresentasse de maneira tão simples, sem jóias ou ostentação. Estranho também que seu marido não parece ter encomendado o quadro, nem se sabe de nenhum outro cliente. Leonardo ficou com o quadro até o final da vida, quando o levou para a França e vendeu-o para Francisco I por 4000 moedas de ouro. O fato de Leonardo ter trabalhado com zelo neste quadro durante quatro anos, e de ter ficado com ele é incomum para uma época em que estava se iniciando a liberdade do artista como livre-criador.
O fundo da pintura também revela algumas surpresas. A temática das montanhas escarpadas era recorrente na obra de Leonardo. Alpinista amador, Leonardo tem vários desenhos e esboços sobre o tema, além de tê-lo empregado como fundo em outras composições, como a Virgem dos rochedos e a Virgem e o Menino com Santa Ana. Entretanto, a paisagem que aparece à direita e à esquerda de Mona Lisa não parece coerente. O lado esquerdo parece ser observado por alguém situado em uma posição mais baixa que o outro lado, o qual parece ser visto por alguém mais alto. Isto é, nós vemos mais terra até a linha do horizonte do lado direito do que do lado esquerdo.
Por outro lado, o único elemento a lembrar a presença humana na paisagem é um pequeno detalhe colocado do lado direito, próximo ao ombro da figura: uma ponte atravessando o rio. Além disso, dos dois lados da pintura ainda se vê vestígios de duas bases do que parecem ter sido duas colunas que ladeavam a moça. Há um desenho de Rafael baseado neste quadro em que aparecem nitidamente duas colunas laterais, que parecem ter sido eliminadas posteriormente por Leonardo.
O sorriso, já muito comentado, é mais um aflorar da alma, um estado de espírito fugaz, captado pelo mestre. Leonardo utiliza-se do sfumato em torno dos olhos e dos cantos da boca: sutilmente torna difusos os contornos, alcançando a ambigüidade misteriosa de sentimentos que vemos no belo rosto. Os olhos nos encaram, mas ao invés de qualquer tensão, parecem compassivos. Uma névoa de melancolia cobre sua face assim como um diáfano véu cobre-lhe os cabelos. Outro detalhe interessante é a ausência de sobrancelhas. Por que Mona Lisa não as tem? Uma hipótese provável é a de que Leonardo teria pintado as sobrancelhas posteriormente, e que uma malsucedida restauração as tenha removido inadvertidamente.

A Última Ceia

O mosteiro de Santa Maria delle Grazie, em Milão, não é mais utilizado e a sala do refeitório onde Leonardo pintou o painel foi transformado em museu. A encomenda original foi feita por Ludovico, o Mouro. Ao contrário da técnica tradicional da pintura sobre argamassa úmida, Leonardo utilizou têmpera a óleo. Com a umidade, a deterioração da pintura já havia sido iniciada em 1510, ainda durante a vida do mestre. O restauro vem sendo realizado desde 1726.
Durante a guerra, o mosteiro foi bombardeado, e a parede com o mosaico sobreviveu miraculosamente. Curioso que um artista livre-pensador, em cujos escritos não se encontra uma linha acerca dos assuntos religiosos, tenha elaborado talvez o ícone mais difundido da fé cristã e católica. A Última ceia talvez seja a imagem cristã mais difundida da história. Segundo Leonardo, o objetivo era retratar a 'intenção da alma humana' através dos gestos e membros dos personagens, isto é, mais do que expressar os estados emocionais, retratar a vida interior de cada um dos apóstolos. Para conseguir este objetivo, consta que o artista percorria as ruas da cidade, inclusive as prisões, em busca dos rostos cuja expressividade lhe parecia ser adequada para cada um dos apóstolos.
Cristo posiciona-se ao centro da composição, e para ele convergem as linhas em perspectiva da sala. Ele parece resignado, enquanto os apóstolos debatem-se, como se houvera sido o momento exato em que ele revela que um deles o trairá. Dispostos em grupos de três, cada um reage à afirmação segundo suas disposições. A figura de Judas sempre havia sido um problema compositivo a todos os artistas que pintaram esta cena, pois era equivocado representar o traidor do Salvador junto aos outros apóstolos. Ao mesmo tempo em que fazia parte da ceia, devia ser excluído do convívio dos apóstolos. Outros artistas, como Andrea del Castagno haviam resolvido o problema teológico com a separação espacial de Judas do grupo, o único posicionado de costas para o observador. Isto o identificava ao mesmo tempo em que o excluía dos outros. Na Última Ceia de Leonardo, Judas é misturado aos outros apóstolos, e apenas seu perfil sinistro e rancoroso sugere ali estar sua pessoa.

A Virgem dos rochedos

Esta pintura tem duas versões, uma em Londres, na Galeria Nacional, outra em Paris, no Louvre. O quadro do Louvre é mais antigo e, como principal diferença, o anjo aparece apontando em direção ao Menino. Considera-se que o quadro de Londres foi encomendado pela Irmandade da Imaculada Conceição, em 1413, e que nunca foi acabado. Esteve em Milão até 1871, quando foi para a Inglaterra.
As figuras estão emersas num ambiente anímico, telúrico, formado de rochas e vegetação preciosamente trabalhadas. As mesmas rochas que aparecem ao fundo da Mona Lisa. O tema de São João Menino adorando o Menino Jesus na presença da Virgem é, em muito aspectos, incomum, assim como diversos dos elementos utilizados - como a vegetação - deixam antever aspectos simbólicos de difícil definição. Os gestos das quatro personagens são emblemáticos.

Adoração dos magos

Encomendada pelos monges de São Donato de Scopeto, em Florença, provavelmente sob influência do pai de Leonardo, que era provedor do mosteiro. A obra permaneceu inacabada, e passou a propriedade de Ambrogio Benci, pai de Ginevra Benci, de quem Leonardo pintou um bonito retrato. É um quadro 'revolucionário', embora incompleto. Leonardo trabalhou as superfícies na técnica do chiaroscuro, uma modelagem das superfícies em que os contornos permanecem implícitos e o que evidencia-se é o volume dos corpos banhados de luz. Composição complexa, tem grande vivacidade nos inúmeros gestos e expressões diferentes.

São Jerônimo com o leão

Pintura inacabada, encontra-se no Vaticano. Foi encontrada em um antiquário, em Roma, servindo de tampa para um baú, no começo do século XIX. A cabeça havia sido destacada do restante e foi encontrada depois, em posse de um sapateiro que havia se utilizado da prancha como mesa. É reconhecida como obra de Leonardo, embora não seja citado em nenhuma de suas biografias.

O Batismo de Cristo, de Verrochio

Esta pintura foi realizada pelo mestre de Leonardo, Verrocchio, a pedido dos monges do Mosteiro de São Salvi. Foi realizada em parte na técnica tradicional da têmpera, com clara ou gema de ovos. Leonardo foi responsável pela pintura do anjo da esquerda, mais a paisagem de fundo. Segundo a lenda, Verrochio, ao ver a habilidade do jovem discípulo na técnica pictórica, abandonou definitivamente os pincéis, dedicando-se exclusivamente a escultura.


Veja mais: http://www.auladearte.com.br/historia_da_arte/leonardo.htm#ixzz3WouovouY
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