O homem romântico
O homem romântico,
dizem, é como o tangará: ser raro em extinção, cujo nome poucos reconhecem. O tangará é uma ave que raramente pousa no chão, passando a maior
parte do tempo em árvores. O homem romântico também é um nefelibata,
habitante das nuvens do pensamento, procurando sempre formas diferentes de
cortejar sua amada. Sim, robertocarlianamente ele ainda chama de querida a sua amada.
O homem romântico sabe que não precisa inventar muito para demonstrar
o seu amor verdadeiro. Por isso, o homem romântico recorre à dúzia de
rosas, caixas de chocolate e cartões com mensagens lindas nos dias
especiais. Ele nunca esquece um dia especial. Para o homem romântico, a
propósito, qualquer dia pode virar um dia especial. Ele sabe que isso só
depende dele. Ele, como ninguém, vive o tal carpe diem.
Um homem romântico se importa com os detalhes. Nos detalhes que
moram as diferenças. Um homem romântico abre a porta do carro, da sala, do
coração. O homem romântico cede seu lugar. O homem romântico escreve
bilhetinhos desejando um bom-dia ou boa sorte na entrevista para aquele
emprego novo e o coloca escondido na bolsa da amada. O homem romântico é um
Anchieta de espelho de banheiro, escrevendo mensagens poéticas que acordam
o dia da mulher com palavras especiais. O homem romântico, se preciso, tira
sua camisa para abrigar a mulher na chuva torrencial sem medo de que ela
pense que ele quer compensar alguma desvantagem com essa atitude.
O homem romântico sabe da praticidade de uma geladeira, mas prefere
como presente um jantar a dois naquele mesmo restaurante onde a história
registrou momentos da concepção do romance. Naquela mesma mesa. Para
repetir os mesmos gestos. De preferência sob a mesma trilha sonora. Um homem
romântico constrói a dedo a trilha sonora. Escolhe as músicas, como escolhe
as formas de agradar.
O homem romântico vive em qualquer lugar como se fosse sua casa. Ser feliz e fazer os outros felizes é sua guerra
particular. O homem romântico é um sonhador, não um deslumbrado. Age por
paixão, mas a paixão do tipo que liberta e não a do tipo que escraviza.
Cortês sem excesso, para o homem romântico ninguém pode tratar uma mulher
melhor do que ele. Fraterno sem invasão, para o homem romântico a sua é a
mais confortante das companhias possíveis. Pelo menos, não mede esforços
para que seja. O homem romântico provoca sorrisos quando chega e vazios
quando vai. Deixa no ar o desejo de sua presença. Faz com que anseiem pelo
seu perfume.
O homem romântico gosta de mulher. Não só no sentido sexual do
termo. Também, claro. Mas o homem romântico sabe que gostar de mulher é
prestar atenção nela, é ter a sensibilidade para cativá-la a cada momento e
compreender sua peculiaridade. É ter paciência para conviver com sua necessidade
de falar ou para sobreviver quando isso estiver além de sua limitação
masculina. É respeitar seu tempo. É ouvi-la contar como foi seu dia,
sorvendo cada palavra e lastimando genuinamente não ter estado presente. O
que faz um homem romântico é a vontade de entender a mulher. Porque a
mulher é um bicho complicado e difícil de entender. Mas essa curiosidade é
constitutiva do homem romântico e ele tem essa curiosidade. Mas o homem
romântico, registre-se, pode virar um ogro se sentir que outro homem corteja
a sua mulher.
O homem romântico, apesar de pleno, é um incompleto. Sabe ele que se
completa em sua mulher. Quando a beija, quando a abraça, quando suam
juntos, quando a penetra. Todavia, o homem romântico sabe que a penetração
do corpo nada vale sem a prévia penetração da alma. E é fato: o fazer amor
do homem romântico começa bem antes do encontro dos corpos, nos sorrisos,
palavras, silêncios que antecederam, cheios de
sentidos compartilhados. O homem romântico deriva seu prazer do prazer que
faz a mulher sentir. A medida de seu prazer é a realização do dela. O homem
romântico vive a saga de encher sua mulher de beijos de todos os tipos:
carinhosos, fogosos, apaixonados, molhados, permitidos, roubados, fortes e
delicados. Um festival deles. Em todos os lugares. Várias vezes. Por breves
e longos tempos. Na aparente e inocente leitura de fragilidade que
acompanha o homem romântico se esconde um amante único, inesquecível. Como
ninguém ama sozinho, o homem romântico sabe que sem o feminino o masculino
não existe. Ele sabe-se um Yang frágil, completamente dependente do Yin
fontal.
O homem romântico adora surpreender sua mulher. Inventar um programa
especial sem hora marcada. Enviar uma pizza em que esteja escrito “I Love
You” com catupiri. Ligar às seis da manhã para desejar bom-dia, mandar uma
mensagem só para dizer que sente sua falta. Fazer aquele prato que ela
gosta tanto. Ser chef de sua
degustação. O homem romântico consegue num toque de pés sob a mesa dizer o
que quer e ser plenamente entendido.
O homem romântico olha sua mulher dormindo como se fosse a mais bela
escultura de Michelangelo. Para ele é. Seu olhar pousa em seu corpo em
repouso com a maciez de seus pensamentos. Analisa a boca, acompanha a
respiração. Admira os cabelos emaranhados na beleza selvagem do momento que
segue a ternura. O homem romântico acorda sua mulher com beijos em seus
olhos, pescoço e uma mordidinha muito de leve na ponta do seu nariz. O
homem romântico não sai sem um carinho de despedida.
O homem romântico é um romântico gratuito. Faz tudo isso sem cobrar
nada, a não ser a eterna presença do olhar terno que recebe ao ser
romântico. Ele é movido à ternura.
Ele é movido a carinho. Ele é movido a amor. O homem romântico é um
total flex afetivo.
Um homem romântico, poucos sabem, está em cada homem. Nuns,
adormecido e amordaçado, esperando o seu resgate por um amor verdadeiro,
daqueles que nos deixam bobos e leves. Noutros, já liberto e tresloucado,
fazendo a hora de seu romantismo, fazendo de sua mulher a mulher que mais
deseja um homem. Aquele homem que a encanta, que a seduz,
que lhe dá prazer, que a enreda em seu olhar, que a prende no seu infalível
visgo, que a entrelaça na sua sombra e que a atrai feito imã, obliterando
sua razão porque chaveia nela a emoção mais pura, que vem sabe-se lá de
onde e que ela sequer sabia que tinha dentro de si. O homem romântico é um
irresistível que não resiste a uma paixão verdadeira, paixão que, num
círculo virtuoso, não resiste a ele igualmente. Com o homem romântico,
simplesmente acontece. Que me perdoem os trogloditas, mas ser romântico é
fundamental. Homem que é homem chora de e por amor. Porque é verdadeiro,
porque é macho. Porque é romântico. Quando lhe dão asas, o homem romântico
voa alto. Que nem o tangará. Que nem o tangará.
S.
.
Sérgio
Augusto Freire de Souza
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